19 dezembro 2012

Num instante de insensatez achei que conseguia esquecer-te. Que era possível, pelo menos, passar algumas horas sem a tua lembrança. Sem a tua cara a assaltar-me a memória, sem a tua voz em pano de fundo na minha mente, sem a recordação do teu riso e do teu sorriso, sem a minha imaginação estafada de tanto te carregar em ombros.

Pensei que podia esquecer-me de ti, da tua existência. Afinal, estiveste adormecido cá dentro. Mas depressa acordaste, porque esta coisa que me prende a ti nunca passou de um sono leve. E agora estás sempre acordado, alerta, presente. Há sempre mais um pensamento para ti, mais uma esperança, mais uma estratégia ou um projecto. E há sempre mais um sorriso que me causas sem saberes, ou mais um bocadinho de mim que estalas sem dares conta.

Tenho o mundo para te dizer, e não sei como te hei-de fazer ouvir.

14 dezembro 2012

Sobre vozes. E escrito a correr. Mas para ler devagar.

Acho que é coisa própria de quem vive no meio da música e trabalha no meio de vozes. Notar cada tom, cada inflexão. Apercebermo-nos, inconscientemente, de como a pessoa respira, do subir e descer do volume, das hesitações. Da dicção - essa coisa dos profissionais e que os profissionais, sem querer, estão sempre a analisar na humanidade inteira. Profissional ou não.

Deve ser defeito (profissional, lá está) detectar sinais de riso mesmo antes de esse riso surgir. Deve ser feitio esta forma que se encontra de saborear vozes - de as conhecer melhor do que conhecemos as pessoas, de nos deixarmos levar e envolver por elas. E perder nelas, em certos momentos.

Deve ser por culpa desta vida que levo que há vozes que me ficam guardadas na cabeça. Deve ser por isso que me basta fechar os olhos para conseguir ouvir essas vozes, cá dentro, como se as pessoas estivessem a falar ao meu lado. Não na perspectiva insane da coisa; apenas na perspectiva da memória, da recordação. Relembrar cada hesitação, cada riso, o tom de cada palavra, aquela inflexão, aquele timbre. Aquela doçura. Aquele conjunto que une tudo isto e que me deixa sem chão desde o primeiro dia.

Do geral para o particular, sim. Porque há vozes que mexem mais connosco do que outras, porque há vozes que basta ouvirmos uma única vez e nunca voltamos a esquecer. Porque há vozes que, como disse lá atrás, nos levam. Vozes em que nos envolvemos e nos perdemos. E, fechando os olhos, conseguimos recordá-las em cada pormenor.

(Mas é claro que isto é tudo estritamente profissional. Prefiro manter o assunto nessa esfera. Por questões de sanidade, é evidente.)

04 dezembro 2012

Sobre o óbvio.

A ligeireza de certas frases, e da forma como são ditas, incomoda-me. Ouvir, no tom mais natural, "acho muito bem; não têm dinheiro, não estudam" (isto a propósito desta notícia), é coisa que me deixa sem sequer saber o que responder. Desde logo porque a resposta me parece tão óbvia e tão gritante que tentar explicar fosse o que fosse deixaria sempre a verdadeira essência da coisa de fora, por maior talento que eu encontrasse para defender aquilo em que acredito.

Costumo deixar estes desabafos para o outro canto, o social do "f" branco em fundo azul, mas há assuntos que são demasiado graves para que não os espalhe, de uma forma ou de outra, por todos os sítios por onde passo.