27 junho 2011

Entrelaçado.

Noite.

Chocolate com amêndoas. Um teclado com letras que parecem poucas para o que trago cá dentro, que continuo sem conseguir medir. Um copo de leite frio. Música da que causa arrepios mesmo nos dias mais quentes a tocar baixinho, muito baixinho - quanto a arrepios, aceito-os, mas, se subo o volume, pode doer mais um bocadinho, a música pode puxar as maleitas cá para fora sem dó nem piedade, e disso eu já não gosto.

Mas voltando ao cenário.

Chocolate, teclado, leite frio, música boa em sussurros. A casa às escuras. Coração moído, confuso, cansado. Em cima da mesa está a carta, e não sei o que lhe faça. O envelope não me esclarece e as folhas não falam comigo. Tento decidir-me. Fica assim. Mudo. Acrescento. Começo de novo. Não sei.

A preguiça dos dias quentes no corpo, e a alma nada preguiçosa mas amarrada numa lufa-lufa contida que não sabe soltar-se nem deixar-se expressar. O vazio do futuro. O vazio do presente. E o passado onde não havia mais espaço, preenchido em todas as frentes, em contraponto com o oco do que se vive agora e do que se espera depois.

Ando nestas voltas há dias. E não consigo resgatar-me para fora do labirinto, porque o entrelaçado é cada vez mais apertado.

«There's a note underneath your front door,
That I wrote twenty years ago...
Yellow paper and a faded picture,
And a secret in an envelope.
»

(The Civil Wars - 20 Years)

21 junho 2011

Feitio.

Hoje venho dedicar umas linhas às pessoas de mal com a vida. Com os outros. Com elas mesmas. Pessoas que tentam disfarçar o azedo com sorrisos forçados, e com gargalhadas ainda mais forçadas, num esforço escusado de tão ineficaz que é. E lá vão pondo a nu o mau feitio mas de mansinho, não vá alguém levar a coisa mais a peito. Entretanto, dizem mal de uns a outros e de outros a uns. Fazem conversa fiada, a-fingir-que-é-segredo, aqui-para-nós-que-ninguém-nos-ouve, não-é-por-nada-mas. (Frases ditas a sussurrar porque as paredes têm ouvidos e depois a conversa ainda dá para o torto.) E vivem na eterna e inútil tentativa de agradar a quem está à volta, julgando que ninguém percebe a farsa. Como se o mau feitio fosse coisa pequenina que se esconde num bolso.

18 junho 2011

Entretanto,

sigo às voltas com a habilidade que certas pessoas têm de me levar, sempre e mais uma vez, a sítios de mim que não conheço nem consigo entender.

(E, nos entretantos do entretanto, eis que me apercebo
de que te conheço pelo simples vislumbre de um pulso.)

16 junho 2011

Para a F., que não me lê nem sabe de nada.

Tenho sempre desculpas. Culpo-te a ti, mas, na verdade, a culpa é tão minha quanto tua. Tu puxas a corda de um lado, até me estrangulares, e eu puxo-a a mim mesma do outro. E assim ajudo a esta falta de ar constante, absoluta, cada vez maior e mais intensa e mais desesperada em mim.

13 junho 2011

Escritas.

Não escrevo para ti. Não. Não faço isso. Escrevo para mim. Para colar os bocados que tu agarras, puxas e descolas de vez em quando. Para sarar as feridas antes do embate seguinte, que vai abrir as que já cá estão, e, como a sorte é pouca, vai de certeza quebrar-me mais um ou outro pedaço. (Seja como for, já pouco resta inteiro, por isso, menos mal.)

Não. Não escrevo para ti. Escrevo, evidentemente, para mim. Para fechar os olhos ao que magoa o coração, para fechar a alma aos pequenos grandes golpes com que a rasgas quando queres ou sem quereres.

12 junho 2011

Um dia destes.

Precisava de força para te virar as costas. Passar por ti, fechar a nossa porta e deixar-te do lado de fora. E podias bater, e bater, e bater. A chave ficava comigo e eu trancava-te do outro lado.

E nunca, nunca mais passavas para o meu lado. Nem eu voltava a olhar para o teu duas vezes.

Mereces... nada.

06 junho 2011

Imagine.

Pele com pele. Em toques pequeninos e sem demoras, toques simples em sítios simples, naquele jeito fugaz de quem sabe que não, nada, nunca. Toques discretos mas ao alcance dos olhos de todos. Toques que todos vêem mas só dois entendem. Só dois sentem. Toques de mãos. Toques de braços. Toques de abraços.

Toques de olhares.

Sorrisos que se tocam à distância. Talvez.

É só isto que me ocorre agora. O errado do que devia ser certo – ou será o certo, tão certo, daquilo que é errado?

02 junho 2011

Toranja.

'Eras tu a ficar por não saberes partir,
E eu a rezar para que desaparecesses,
Era eu a rezar para que ficasses,
Tu a ficares enquanto saías.'

A perfeição em quatro versos.
Volta por volta.