Noite.
Chocolate com amêndoas. Um teclado com letras que parecem poucas para o que trago cá dentro, que continuo sem conseguir medir. Um copo de leite frio. Música da que causa arrepios mesmo nos dias mais quentes a tocar baixinho, muito baixinho - quanto a arrepios, aceito-os, mas, se subo o volume, pode doer mais um bocadinho, a música pode puxar as maleitas cá para fora sem dó nem piedade, e disso eu já não gosto.
Mas voltando ao cenário.
Chocolate, teclado, leite frio, música boa em sussurros. A casa às escuras. Coração moído, confuso, cansado. Em cima da mesa está a carta, e não sei o que lhe faça. O envelope não me esclarece e as folhas não falam comigo. Tento decidir-me. Fica assim. Mudo. Acrescento. Começo de novo. Não sei.
A preguiça dos dias quentes no corpo, e a alma nada preguiçosa mas amarrada numa lufa-lufa contida que não sabe soltar-se nem deixar-se expressar. O vazio do futuro. O vazio do presente. E o passado onde não havia mais espaço, preenchido em todas as frentes, em contraponto com o oco do que se vive agora e do que se espera depois.
Ando nestas voltas há dias. E não consigo resgatar-me para fora do labirinto, porque o entrelaçado é cada vez mais apertado.
«There's a note underneath your front door,
That I wrote twenty years ago...
Yellow paper and a faded picture,
And a secret in an envelope.»
That I wrote twenty years ago...
Yellow paper and a faded picture,
And a secret in an envelope.»
(The Civil Wars - 20 Years)