19 dezembro 2012

Num instante de insensatez achei que conseguia esquecer-te. Que era possível, pelo menos, passar algumas horas sem a tua lembrança. Sem a tua cara a assaltar-me a memória, sem a tua voz em pano de fundo na minha mente, sem a recordação do teu riso e do teu sorriso, sem a minha imaginação estafada de tanto te carregar em ombros.

Pensei que podia esquecer-me de ti, da tua existência. Afinal, estiveste adormecido cá dentro. Mas depressa acordaste, porque esta coisa que me prende a ti nunca passou de um sono leve. E agora estás sempre acordado, alerta, presente. Há sempre mais um pensamento para ti, mais uma esperança, mais uma estratégia ou um projecto. E há sempre mais um sorriso que me causas sem saberes, ou mais um bocadinho de mim que estalas sem dares conta.

Tenho o mundo para te dizer, e não sei como te hei-de fazer ouvir.

14 dezembro 2012

Sobre vozes. E escrito a correr. Mas para ler devagar.

Acho que é coisa própria de quem vive no meio da música e trabalha no meio de vozes. Notar cada tom, cada inflexão. Apercebermo-nos, inconscientemente, de como a pessoa respira, do subir e descer do volume, das hesitações. Da dicção - essa coisa dos profissionais e que os profissionais, sem querer, estão sempre a analisar na humanidade inteira. Profissional ou não.

Deve ser defeito (profissional, lá está) detectar sinais de riso mesmo antes de esse riso surgir. Deve ser feitio esta forma que se encontra de saborear vozes - de as conhecer melhor do que conhecemos as pessoas, de nos deixarmos levar e envolver por elas. E perder nelas, em certos momentos.

Deve ser por culpa desta vida que levo que há vozes que me ficam guardadas na cabeça. Deve ser por isso que me basta fechar os olhos para conseguir ouvir essas vozes, cá dentro, como se as pessoas estivessem a falar ao meu lado. Não na perspectiva insane da coisa; apenas na perspectiva da memória, da recordação. Relembrar cada hesitação, cada riso, o tom de cada palavra, aquela inflexão, aquele timbre. Aquela doçura. Aquele conjunto que une tudo isto e que me deixa sem chão desde o primeiro dia.

Do geral para o particular, sim. Porque há vozes que mexem mais connosco do que outras, porque há vozes que basta ouvirmos uma única vez e nunca voltamos a esquecer. Porque há vozes que, como disse lá atrás, nos levam. Vozes em que nos envolvemos e nos perdemos. E, fechando os olhos, conseguimos recordá-las em cada pormenor.

(Mas é claro que isto é tudo estritamente profissional. Prefiro manter o assunto nessa esfera. Por questões de sanidade, é evidente.)

04 dezembro 2012

Sobre o óbvio.

A ligeireza de certas frases, e da forma como são ditas, incomoda-me. Ouvir, no tom mais natural, "acho muito bem; não têm dinheiro, não estudam" (isto a propósito desta notícia), é coisa que me deixa sem sequer saber o que responder. Desde logo porque a resposta me parece tão óbvia e tão gritante que tentar explicar fosse o que fosse deixaria sempre a verdadeira essência da coisa de fora, por maior talento que eu encontrasse para defender aquilo em que acredito.

Costumo deixar estes desabafos para o outro canto, o social do "f" branco em fundo azul, mas há assuntos que são demasiado graves para que não os espalhe, de uma forma ou de outra, por todos os sítios por onde passo.

28 novembro 2012

Do que devia ser e não é, do que podia ter sido e não foi.

Vens e vais, chegas e partes, aproximas-te e afastas-te. O mar é maior que tu mas tu não és nada pequeno. E és como as ondas, sabes? Como as ondas. De um daqueles mares nem revoltos, nem tranquilos. Chegas, tocas-me os pés e vais embora outra vez. Como se tivesse de ser assim, como se te tivesses comprometido com uma eternidade qualquer que não te permitisse dar mais que dois passos seguidos na mesma direcção - que não te deixasse vir morrer na tua praia, que é como quem diz no abraço a que se quiseres pertences. Quero dar-te aquilo que nem sequer sabes que podes receber. Mas aposto que o queres. Porque precisas. De um abraço que seja teu, de alguém que olhe em frente contigo mas que te acompanhe nessas tuas estadias no passado. Sei a falta que te faz ser com alguém. Ser, só ser. Seres. Sermos. Se quisesses. Se soubesses. Se, por um instante, ficasses. Te demorasses. Mais que uma onda, mais que dois passos.

16 novembro 2012

La maison des rêves.

Pegar na mala. Fugir. Bilhete sem volta. Frio à chegada, nuvens sem chuva, cachecol no nariz e nas orelhas. Águas furtadas, telhados, janelas, palavras bonitas e um ar diferente dos outros. Cantos e recantos. Cafés, pontes, música, o rio, as mil vistas e ainda mais uma que entretanto tinha escapado. Ruas, museus, subir e descer, lojas onde não se compra nada mas se absorve tudo, montras sem movimento mas com a vida própria da cidade. Luz, noite, fé.

Palavra soltas.
Do sítio a que tardo em voltar.



14 novembro 2012

Esta mania que eu tenho de debruçar demasiado o coração nas coisas. Não o coração dos amores; o dos afectos, o das esperanças, o do futuro. Depois o vento sopra e esse coração abana. Desequilibra-se, cai. Bate no chão e dói um bocadinho.

Haja música, livros e Lisboa. Natal em Dezembro e chocolate quando apetece.

12 novembro 2012

"O Encontro."

"Conto até cem e, se não chegares antes dos cem, vou-me embora. Não chegaste antes dos cem. Conto de cem a um e, se não chegares antes do um, vou-me embora. Não chegaste antes do um. Conto dez automóveis pretos e, se não chegares antes dos dez automóveis pretos, vou-me embora. Não chegaste antes dos dez automóveis pretos. Nem antes dos quinze taxis vazios. Nem antes dos sete homens carecas. Nem antes das nove mulheres loiras. Nem antes das quatro ambulâncias. Nem sequer antes dos três corcundas e, entretanto, começou a chover."

António Lobo Antunes

29 outubro 2012

Futuro.


Jazz de fundo. Soul pelo meio. Noite, luzes, janelas, o mundo lá fora e sede dele em mim. Tanto para ser, para sentir, para descobrir, para viver. Mas, por agora, serenidade do lado de dentro da sala e de mim. O fresco quase frio e a imaginação rápida, rápida, cada vez mais rápida, cada vez lá mais alto. Um oceano pelo meio que, em sonhos, é menos que uma gota da chuva que cai lá fora. Estou aqui e estou lá, a rua para que olho é a minha mas afinal já não é – já é outra, completamente diferente. Palpitante, nova, que me abraça e onde respiro, finalmente, fundo. Fundo como nunca respirei. Um copo de vinho na mão, a noite a cair tranquila, cosmopolita, e o futuro ali tão perto. Olhos postos nele. Porque o primeiro dia do resto da minha vida pode muito bem estar a chegar.

Ao som do jazz.

24 outubro 2012

Simples.

('Play', por favor. Banda sonora para o instante que se segue:)

People Will Say We're in Love by Stacey Kent on Grooveshark

Não há palavras para o bem que nos faz o bem dos outros. Sobretudo quando os outros são metade de nós. Sobretudo quando os outros são, na verdade, um, um só, à volta de quem o nosso mundo gira por tantos e tantos motivos.

Quando do outro lado se flutua, deste lado os pés já não tocam o chão. Quando do outro lado há sorrisos, deste há esperanças. Quando do outro lado há desejos, deste há certezas. Há confiança, apoio, quentinho no coração. E fé no futuro, seja ele como for.

Quando do outro lado se conquista, é como se deste também se conquistasse. E, mais certo do que tudo isto... Quando do outro lado se sonha, deste sonha-se tanto ou mais.

O Amor é assim. Do outro lado e deste. Ataca de um lado. Tem efeitos secundários do outro.

Gosto de ti.
:)

17 outubro 2012

Das saudades.

Luzes acesas no corredor e nas ruas de sempre. Tinha saudades de sair do trabalho-feito-casa com o dia quase feito noite cá fora. Porque a casa é mais casa ainda quando as horas, a luz e a temperatura se aproximam das recordações mais saborosas.

Tinha saudades da chuva à tarde, a tarde e quase más horas, noite dentro, noite fora.

09 outubro 2012

O karma.



Dar e receber. Na mesma medida. Efeito boomerang. Recebes o que dás na mesma quantia ou multiplicado. Tudo isso, essas coisas todas. Muito bonitinho.

Parece charopada. Eu sei. (Por outro lado, não sei por que é que usei o termo "charopada", palavra que nunca me lembro de ter dito ou escrito. Mas assenta bem aqui, parece-me.) Charopada ou não, pasme-se... É verdade. Resulta. Mesmo. Para o bom e para o mau. Quem dá bom, recebe-o; quem dá mal, não espere o bem. Por mais que de um lado se queira e do outro se tente.

Simples.

25 setembro 2012

23 setembro 2012

(À falta de tudo o resto, ainda me ajudas a escrever umas linhas)

Por uma vez soube que as minhas pedras da calçada eram as tuas, por uma vez soube-nos os passos iguais, soube-nos os metros tão escassos, por uma vez os meus pés caminharam decididos para ti sem nada importar, sem recuos, medos, arrependimentos de última hora ou bloqueios incontroláveis. Por uma vez fui ao teu encontro como se isso não importasse minimamente. E fi-lo precisamente por isso: porque não importa - já não importa. Porque agora o prazer retorcido é meu, porque agora o jogo mudou, o tabuleiro girou e já nada é igual. Fui ao teu encontro precisamente por saber que já não fazia mal. Que encarar-te iria fazer-te mais mal a ti do que a mim. Sei bem a cara que farias; sei bem dos teus fingimentos. Mas precisava de dar de caras contigo. Não pela necessidade de te ver. Não. Era, sim, para provar a mim mesma que o ciclo se fechou, que o mal que me fizeste já não dói. Por isso sei que naquela tarde os meus passos foram os passos certos. Para mim e por mim. Só. No fim de contas, não te vi. Mas soube-te ali, a ti, às tuas conquistas, ao que em tempos prometeste partilhar, e isso foi suficiente. Podia esbarrar em ti. Nada em mim ia mexer. Percebi que, inconscientemente, precisava de dar a mim mesma essa prova. Sabes que mais? Passei. Com louvor e distinção. Podes aparecer-me à frente de todas as formas e em quaisquer circunstâncias. Estou preparadíssima para ti. Já não te sinto. Já não me fazes mal. Já não me fazes nada.

18 setembro 2012

Dos amores.

Apaixonam-se e desapaixonam-se. Há sempre formas diferentes de lidar com os amores dos outros. Desde logo, começa tudo pela forma como nos envolvemos neles – nos amores e nos outros. Depende da história, da posição, do momento, de quem eles são e de quem nós somos, de quem pertence a quem, de um sem-fim de porquês e de quandos e de comos.

Certo, certo é que a nossa vida também se faz desta matéria(-prima). Dos amores e desamores que pairam em redor – os que começam, os que terminam, os que bloqueiam, os serenos, os desalmados, os complicados, os lineares. Os sem fim e os sem princípio. Os das promessas cumpridas e os das mentiras contadas. Os nossos, os dos outros, os de sempre, os de nunca, os próximos, os afastados. Os que quase nos passam ao lado. Os que nem nos tocam. E os que nos trespassam. Para o mal... e para o bem.

[E que isto fique como prólogo. Porque, um dia destes, há mais.]

17 setembro 2012

Desde 17 de Setembro de 1999.

É só para dizer que passaram treze anos. A data nunca fica em branco mas hoje decidi deixar-te umas linhas. Porque a vida deu mil voltas. E porque, entretanto, foram muitos encontros, outros tantos desencontros e a medida certa de encontrões, entre coincidências e palavras certas nos momentos certos pela pessoa certa. Tu. Passou-se de tudo e tu estavas lá. Às vezes de propósito, noutras sem sequer saberes da tua presença ali. Aqui. Cá. Comigo. Sempre.

Mas estavas lá. De uma forma ou de outra, vestindo uma ou outra pele para ti e para mim, estavas, estiveste, continuas a estar e estarás sempre.

Aqui. Cá dentro.

29 agosto 2012

Moral.

Bocas cheias de justiça, a apregoá-la aos sete ventos. Bocas essas que, curiosamente, estão coladas a mãos sujas - imundas - do mal que fizeram e fazem aos outros.

Princípios - zero. Valores - zero. Honestidade - zero.

Loucura, insanidade. Maldade. Justiça? Nenhuma, para desgraça de quem está à volta.

Mas, voltando ao início, grita-se por ela. Como se fosse verdade, como se fizesse sentido.

Há gente que, de facto, não-se-enxerga.


"He's as blind as he can be,
Just sees what he wants to see"

27 julho 2012

Cinco anos de Julho.

Quem me conhece minimamente bem sabe que datas são coisa que me diz pouco. Não me custam nem me alegram muito mais do que outro dia qualquer.

Por isso, este texto não é sobre datas. Nem sobre efemérides. É só sobre coincidências. Sobre o momento em que, em pleno processo criativo para algo que nada tem a ver com isto, poucos segundos de uma espécie de distracção bastaram para que percebesse o tamanho que Julho tem na minha vida. Por isto, por aquilo. Pelos cinco, pelos quatro, pelos três, pelos dois anos que passaram desde que. Só assim: desde que.

Desde que, há cinco anos, o meu mundo se virou ao contrário para nunca mais voltar ao mesmo sítio. E olhar para essa data mostra que os meus pólos continuam a ser os mesmos. Os suportes que, por vezes sem saberem, sempre me mantiveram de pé, pronta para tudo o que a vida me desse, não mudaram. Não saíram.

Desde que, há quatro anos, nova volta se deu e com ela se deu também o começo da vida insane, agitada, deliciosa, inesquecível, toda ela gente, sensações, momentos, projectos, e, no fundo, inaugurada da única forma que poderia fazer sentido.

Desde que, há três anos, entravam pela porta ainda aberta pedaços do passado em forma de gente, num corropio de reencontros e de palavras que ficavam no ar.

Desde que, há dois anos, a mesma porta se fechou na minha cara e com um estrondo que ainda hoje ecoa nos meus ouvidos.

Ao fim de cinco anos, a ausência continua presente. Quatro anos mais tarde, a história repetiu-se e não sei deixar de pensar nas reviravoltas do entretanto. Três anos volvidos, os reencontros voltaram a acontecer. Dois anos depois, a porta reabriu-se. Do lado de cá, ainda não decidi se tudo mudou ou se está tudo na mesma. Sei apenas que me parece que nunca estive do lado de lá.

Mês sete. Trinta e um dias. Se a vida fosse feita de números, não tenho dúvidas de que nove décimos da minha aconteceram em Julho.

23 julho 2012

Do fim das saudades.

Cruzar-me contigo e já não fazer mal. As saudades que não fazem mal, o que ficou por dizer que não faz mal. Nada faz mal. Com a tua ajuda matei as dores e a metade das saudades que restava.
Obrigada por negares, aos poucos, tudo aquilo em que te construíste em tempos para mim. Obrigada pelo jogo limpo. Por já não fazeres falta naquele sítio só teu. Por teres partido na tua estrada. Eu sigo em frente. Na minha. Obrigada.

16 julho 2012

Não desvalorizando aqueles que me magoaram aos 12, 14 ou 16 anos

... mas quem o faz nesta altura, anos depois, fere mais. Muito mais. Vai muito além de magoar. Palminhas para a maldade, para a falta de carácter, para quem já enganou meio mundo e está quase a enganar a outra metade,
para quem faz pouco do coração dos outros.

Do querer.

"Queria dizer-te. Queria.
Queria olhar-te. Olhar-te com força – como se olha com força? E dizer-te.
Dizer-te que sim. Sempre sim. Desde o primeiro não que sim.
Dizer-te que quero. Olhar-te com força. Dizer-te. Queria.
Dizer-te. Negar o não. Negar o não que desde sempre – onde começou o sempre? – foi sim.
Dizer-te menti. Dizer-te fugi. Dizer-te parti.
Queria. Dizer-te aqui. Dizer-te agora. Dizer-te já.
Queria. Sempre queria.
Queria, amor. Amor.
O imperfeito. Queria. O imperfeito.
Amor."

Pedro Chagas Freitas

09 julho 2012

Crónica dos últimos quinze dias.

A sério que gostava de chegar aqui e começar a debitar prosa ou poesia sem fim à vista sobre os últimos dias. Adorava. Do fundo do coração, quem me dera ter palavras para tudo isto. Para o meu reencontro comigo mesma, para a redescoberta de quem sou e para a novidade das mudanças que aos poucos detecto em mim. Gostava mesmo muito de saber dizer-vos o que sinto, de ser capaz de vos transmitir as emoções com que me tenho deparado e de conseguir mostrar-vos o efeito "interno" que tudo isto faz. Sinto coisas que nunca mais acabam. Tudo ao molho, tudo ao mesmo tempo. Novidades à velocidade da luz por entre sorrisos novos todos os dias e pequenas grandes conclusões e descobertas que nascem a um ritmo imparável. De dia para dia cresce-me o coração, a vontade e o sorriso. O tempo passa e vou ficando sempre um bocadinho mais feliz, um bocadinho mais incrédula, um bocadinho mais pasma. Não há espaço em mim para tanta coisa...

04 julho 2012

Voltas.

Faz-me confusão quando dois amigos se tratam como estranhos. A vida faz-se de entradas e saídas – sei isso agora, melhor do que nunca. Entradas e saídas de sítios. Entradas e saídas de gente nas nossas vidas. Entre o que sai e o que entra, estão os regressos. As saídas que ficaram sempre perto da porta. E as entradas que, desde início, mostraram que seriam breves e tortuosas.

Faz-me confusão este esquema de subidas e descidas. Mas já me habituei à rampa, onde se desce tão depressa quanto se subiu, onde um dia se está apontado numa direcção e no dia seguinte a roleta gira e escorregamos quase sem darmos por isso.

Vale para tudo, esta lei. Vale para os sítios, sim; vale para o que se diz, o que se faz, o que se ouve. Vale para quem se é e quem se foi. E vale também para quem está à volta. Subir e descer; ser e não ser. Passar do tudo ao nada. Sem perceber, sem ver. Houve um dia em que tudo mudou mas nesse dia eu não devia estar neste mundo. Acho que me ausentei por momentos. Talvez horas, talvez segundos. Talvez meses. Talvez tempo a menos. Ou tempo demais. Só sei que, entre a saída e a entrada, no espaço do regresso, o sentido das coisas mudou. Já nem o mapa é o mesmo. E termino onde comecei: faz-me confusão quando dois amigos se tratam como estranhos.

29 junho 2012

Sim. Os Beach Boys sabiam.

That's why God made the radio
So tune right in, everywhere you go
He waved His hand, gave us rock 'n roll
The soundtrack of falling in love
That's why God made the radio

[Que bem que o éter me sabe.]

25 junho 2012

Para dois.

Dada a tua capacidade extraordinária para mexer comigo ao mínimo gesto, até a mim própria me surpreendo ao dar-me conta da clareza com que te encaro e te deixo passar por mim. Passas ao lado. Nunca por cima. Sem atropelos. Sem sufocos. Fico verdadeiramente sem palavras à medida que vejo o que nos foi acontecendo, os sítios por onde passámos e esta estrada tortuosa mas muito larga a que viemos dar. Sim. Fico sem palavras. E é por isso que este texto fica só assim. Pequenino.

18 junho 2012

Voltar.

Voltar é bom. Voltar é tudo o que eu já não esperava. São os cheiros que se conhecem, os passos que se podem dar de olhos fechados, as vozes lá ao fundo que nunca se confundiriam com mais nenhumas. Voltar é saber melhor com o que se conta mas não saber deixar de lado a pontinha de inocência que resta do início. Voltar é recuperar rotinas, sensações, espaços, defesas e esperanças. Voltar é um sonho que eu já não tinha, que se transformou apenas numa possibilidade remota que imaginava para daqui a vários anos, rodeada de "ses" e de "talvezes" e de "quem sabes". Só que, no espaço de muito poucos (e insanes) dias, voltar deixou de ser uma miragem e passou a ser a realidade mais concreta de todas  embora eu ainda não tenha descoberto como acreditar nela.

Voltar é voltar devagarinho, pé ante pé, não vá isto ser um sonho e esfumar-se por entre os dedos ao mínimo passo em falso. Voltar é saber que tudo mudou mas que há coisas que hão-de ser sempre iguais.

Volto diferente de quem fui. Mas volto eu, toda eu.

Voltar é voltar aos abraços. Aos sorrisos. Ao calor. A "nós".

É voltar a casa.

08 junho 2012

Cenas do próximo capítulo.

A distância faz-se do tempo certo para arrumar ideias. O silêncio nasce dos dias que fazem falta para me encontrar no meio de tanto e de tantos. Para me descobrir entre despedidas, fins, novidades e palavras saborosas como 'reencontro' e 'regresso'. Palavras incertas e doces como 'futuro'. A redescoberta de sítios, de caminhos, de cheiros. De vozes e de sons. De sensações. O físico e o psicológico de volta a tudo o que se julgava perdido.

É isto. O silêncio é isto. É não conseguir acreditar em nada de tão inesperado que é e de tão impossível que parecia. É não ter palavras para as voltas da vida nem para o que se segue. É esperar para ver - porque, até ser mesmo verdade, continua a saber a sonho e a engano.

17 maio 2012

Dias.

Dias de saudades. Dias em que me descubro por entre a facilidade em ignorar o que parecia colado à pele. Dias de paz e de guerra, de ameaças, de reviravoltas, de balanços, de passos perdidos. Dias em que a cabeça não quer acreditar mas em que o coração já não consegue, simplesmente, equacionar mais nada. Dias de vazio depois de tudo parecer tão cheio. Dias assim, em que o tudo fica em nada e em que do nada se tenta fazer alguma coisa.

03 maio 2012

Sabedoria.

"Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura.

(...)

Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos."

Bernardo Soares [Fernando Pessoa]

30 abril 2012

Respectable.

Era mais ou menos isto que eu vinha aqui dizer. Só que, entretanto, o Rufus antecipou-se. Disse tudo  e bem melhor do que eu diria.

Let's meet in a respectable dive...


20 abril 2012

Os sentidos inversos da vida

mandam mais em nós do que nós. A corda que nos une só nos foge das mãos. Seguimos em lados opostos. Sempre em movimento, afastamento constante e irreparável. Sem volta a dar-lhe – ao caminho e às escolhas que fizemos sem querer, porque tanto podiam ser aquelas como quaisquer outras. O verdadeiro jogo de sorte ou azar é a vida. Não sabemos o que fazer, porque tudo faz sentido e ao mesmo tempo nada faz sentido nenhum; da (in)decisão nasce a (in)consequência. No fim de contas somos apenas seres básicos que seguem os instintos mais errados e os impulsos mais certos. Mas sempre na mais eterna das dúvidas. Depois, dados lançados… e morrer assim. Na praia. Sem aparato, sem nada do que se devia sentir. Sem perguntas, respostas, descobertas. Só remorsos, angústia e frio cá dentro. Um rombo, uma pancada seca, e assim se fica. Para sempre à margem e na margem do que era (tanto) para ter sido.

11 abril 2012

Continuum.

Dias. E meses. E meses, e meses, e meses. Olho para trás e só vejo meses. Olho para a frente e temo que a vista seja igual.

Bolinhos de coco. Chuva lenta. A telefonia, absoluta, tão presente de todas as maneiras possíveis e imagináveis. O mundo lá fora. A vida em passo incerto com o horizonte lá muito, muito ao fundo. Músicas que dizem o que eu nem consigo pensar. Frio na barriga, cansaço, tristeza que não é triste e vontade nem sei de quê. Ausências prolongadas, tempos errados, peças desencaixadas. Fé a mais e desejo na mesma medida. A esperança numa conversa e num bilhete.

E tudo tão longe.

03 abril 2012

"Vira o disco e toca o mesmo."

As pessoas que não falam. Tudo aos papéis. Não sei em que dia foi que os seres humanos desistiram de falar preto no branco. Não sei por que diabo é que a comunicação se perdeu nem em que parte incerta do caminho é que ficou. Se o que nos distingue de tudo e de todos é a possibilidade de transformarmos em palavras o que sentimos, não entendo por que é que isso se esfuma. Não percebo os doces encantos do chove-não-molha por mais que me esforce por descobri-los. Tanta gente perdida em palavrinhas sem interesse, sem conteúdo, sem base, que não valem de nada. Daquelas tão levezinhas que vão antes mesmo de o vento as levar.

Para onde quer que me volte, só chego a uma conclusão: andamos todos trocados. Mesmo todos.


01 abril 2012

22 março 2012

All my friends.

Os melhores amigos do mundo são os meus. Porque me conhecem. E pela certeza que deixam em mim de que alguma coisa ando a fazer bem feita.

Não há mimos como os vossos.

Não há nada como ter-vos. :)

      All My Friends by Amos Lee on Grooveshark

19 março 2012

Pai.

Foste tu quem me ensinou o que era música e foi contigo que aprendi a ouvi-la e a senti-la. De pequenina fui entendendo sons, vozes, estilos. Acordes e melodias. Olhos cheios de sonho quando punhas o gira-discos a tocar. Risos e palavras atabalhoadas de quem não percebia aquelas línguas estrangeiras mas que sentia qualquer coisa a emanar dali e que por isso cantava o que ouvia. Pedia-te que pusesses a tocar coisas que a maioria das crianças não pediriam, porque me habituaste a elas em tempos que são anteriores à minha memória. Foste tu quem me mostrou o prazer do arrepio, do nó na barriga e da lágrima vindos da música. Foste tu quem, pela primeira vez, me apresentou tantas bandas, tantos clássicos. Tudo o que a música é para mim – e a música, para mim, é quase tudo –, é-o por tua causa.

Foi de ti que herdei parte da minha sensibilidade – e percebi isso numa noite, apenas, num instante que hei-de guardar para sempre. A tua vivia escondida, tão bem disfarçada que só naquela noite a pressenti debaixo dessa capa com que brindavas toda a gente, fosse desconhecido ou familiar, e que dificilmente despias.

Não me deixaste nem metade do teu feitio. Fiquei com os princípios que me pareceram acertados, que se adequam a mim, mas houve muito que foi teu e que contigo partiu. Ninguém pode ser como tu, a começar por mim. Não sei ser tão intransigente, nem tão dura. Nem tão implacável – implacável, aqui, não é defeito. É só feitio vincado. E eu fiquei apenas com um sopro dele.

Não sou de datas. Esta não me custa nem mais, nem menos, nem de forma diferente do que outra qualquer. Quando te recordo, hoje, ontem e sempre, é assim – a personalidade inimitável, exigente, forte. Recordo a revolta. Recordo o tanto que havia a unir-nos e o outro tanto que na mesma medida nos separava. Recordo os breves segundos que fizeram a diferença (para o bem e para o mal). E recordo o facto de seres, sempre, música em mim. Vivo no meio da música, e respiro-a. Preciso dela a cem por cento. E tudo por tua causa. Ouvir música é estar contigo, tantas vezes. Há acordes que são nossos. A música esteve sempre presente entre nós, desde a infância que nem recordo até aos derradeiros instantes. Acompanhou-nos em tudo. Por isso, para mim, além de um sorriso, serás sempre música.

E hoje quero que sejas esta.

13 março 2012

Circo.

À primeira vista, está nas nossas mãos fugir. Até parece que no tempo de estalar os dedos ou de piscar um olho podemos fechar a porta para nunca mais voltar. Mas, depois, há uma linha invisível que nos enrola, nos prende e nos proíbe de sair. Os erros dos outros a atarem-nos a alma, a vontade e a independência. Emaranharam-se no caos e pelo caminho estenderam a mão, puxaram-nos pelo colarinho e levaram-nos à traição para um remoinho que não é nosso mas que nos mata antes de os matar a eles.

09 março 2012

In a very unusual way. Again.


Diz a outra aqui em baixo que tudo aconteceu de uma forma diferente. Que se assusta. Que ele não sabe. Que ela não entende bem o que foi mas que no fundo até entende bem demais, e que, fosse lá o que fosse, a mudou para sempre e a completou – ainda que a tenha quebrado em pedaços.

O cansaço é maior que eu e por isso falta-me a ciência para dizer mais do que ela diz. Mas achei que devia reforçar a ideia.

27 fevereiro 2012

Stop.

Voltar às origens. À estaca zero do que na verdade nunca se chegou a conseguir. Parar para pensar e concluir que o caminho é meu e que me decidi a ficar para sempre parada nele, à mercê das marés.

Não sei caminhar. E não quero que ninguém caminhe comigo ou me tente ensinar a fazê-lo. Quem for esperto, foge antes. E se eu gosto ou não disso, se me é indiferente ou se me mata, não interessa, porque nunca interessou. A minha felicidade foi sempre uma realidade dúbia e pouco clara até mesmo para mim. Nunca teve grande importância nem sequer grande demonstração. Foge de mim. Esconde-se nos outros, em meandros onde não consigo penetrar. E o ciclo é sempre este - uma vez, outra vez, tantas vezes, todas as vezes.

22 fevereiro 2012

Cores.

É tão difícil, para as pessoas, falar. Falar, só. Abrir a boca e dizer. Fazer do preto, preto, e do branco, branco. Os cinzentos são lindos, fundamentais e é neles que mora a verdadeira magia da vida. Certo. Certíssimo. Mas, por vezes, o concreto é essencial e há coisas que não se salvam nos meios-tons. Primeiro, ou pelo menos a dada altura do caminho, preto ou branco; depois, sim, cinzentos sem fim e o arco-íris inteiro repleto de todos os gradientes possíveis e impossíveis - que nisto da vida não há limites para a cor.

Mas, primeiro, preto ou branco. Ou preto no branco.

21 fevereiro 2012

Só.

A banda sonora adequada para o momento mais descompassado de todos.
Só. Porque não sei dizer mais.



14 fevereiro 2012

É isto.

«E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo e falar sobre o dia e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço... e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender por que é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar em quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar por que é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bebé quando finalmente vais e comprar-te prendas que tu não queres e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.»

[Sarah Kane - 'Falta']

É tão isto. É precisamente isto.

13 fevereiro 2012

.


Dizem-me

Espera. Pára. Não faças. Não ligues. Entende. Atira-te de cabeça. Vai aos poucos. Conta mais. Não contes tudo. Não contes nada. Conta só parte. Não acredites. Acredita. Deixa-te levar. Mantém a distância. Não é normal. É mesmo assim. Vai vendo. Não tentes ver. Aceita tudo. Dá tudo. Não esperes nada. Não dês nada.

O que é que eu digo no meio de tudo isto? Digo o mesmo. Digo que não é normal. Mas que pode ter lógica. Que não faço ideia do motivo. Mas que acredito na justificação. Que nada faz sentido. Mas que não tem de fazer. Que não percebo nada. Mas que é mesmo assim.

Digo que não acredito. E não acredito. Mas acredito em tudo. Ou em parte. Ou em coisa nenhuma.

09 fevereiro 2012

(Ninguém disse que isto ia fazer sentido.)


Quem quiser que lhe chame emoção. Eu chamo-lhe impaciência. O discernimento não chega para mais, nesta urgência de pensamento que transforma o mais simples bloco de notas em algo essencial, para que possa, a qualquer instante, soltar ideias aos jorros. As minhas caminhadas diárias em 'terra-de-ninguém' são ricas em pensamentos que deixam de fazer sentido antes sequer de começar a montá-los, e por isso o bloco também é uma grande ajuda.

Gosto muito de palavras, tanto que às vezes só consigo fazer delas um silêncio maior. E de repente surge aquela música. Entre tantas outras possíveis, aquela. E eu também gosto muito de músicas. E de letras. O primeiro de todos os efeitos que a música tem em mim chama-se inspiração (o arrepio ou o pulo no coração fazem parte dela). E inspiram-me as pessoas - muitas vezes para o bem e vezes a mais para o mal. E as palavras, claro. O som delas e o que esse som esconde. Os significados. E por isso há palavras que me dizem muito - dizem-me tanto que prefiro pensá-las a escrevê-las, porque escrevê-las estaria muito longe de ser suficiente.

Se calhar nada disto faz sentido, mas para mim fez, hoje e agora. Voltando ao princípio, o que há em mim é impaciência. E para essa faltam-me as palavras. É demasiado complexo e inútil escrever sobre o que não percebo nas pessoas, e sobre o quanto me aflige a incapacidade que muitas delas têm para absorver o que as rodeia ou para se aperceberem das possibilidades.

Aqui está o mundo. Inteiro. Escancarado. Pleno de tudo. Certo, tão certo. O que é que se faz a quem não o vê? A quem não dá por nada? Como é que se mostra o óbvio, o absoluto, a quem decidiu não olhar?

(E voltando atrás, à música... Há letras que mereciam ser ouvidas e, mais do que isso, sentidas. Até mereciam ser cantadas em dados momentos.)

07 fevereiro 2012

Silêncio.

Papel em branco. Cabeça em preto.
Papel sem linhas. Cabeça aos nós.
Papel liso. Cabeça amarrotada.

Um mundo para dizer - num mundo sem palavras que cheguem para uma única frase.

Há tanto que te quero contar. Há tanto de mim que tens de ver. De sentir. De perceber. De que tens de te aperceber. Há tanto cá dentro guardado para ti.

31 janeiro 2012

Conclusão.

Até eu, que sou de tudo menos de certezas, consigo sentir, nesta altura, que isto faz sentido. Continuo a perder-me nos porquês – custa-me demasiado este exercício de perceber aquilo que é, desde a génese, feito para causar dúvidas. Mas, fora essas, sim, há uma certeza. Só falta um passo, que não compete aos meus pés. (E a dúvida reside aí.) Depois dele, o jogo fica finalmente aberto, e posso pôr a minha certeza à prova. Nunca vai deixar de ser certa, apesar de tudo; mas, quando se cruzar com a realidade, frente-a-frente, logo se há-de perceber qual das duas leva a melhor.


Mas lá que faz sentido... Isso faz. De certeza.

Só falta o passo.
"Os cemitérios são lugares vazios, só árvores, sem defuntos, só a gente, que arranjamos as campas, sem entendermos que não existe ninguém lá em baixo. Para quê visitar ausências? Uns pardais nos choupos, nada. Que sítios tranquilos, os cemitérios, que inútil a palavra defunto.

(…)

Postais. Há quanto tempo não recebo postais. Uma carta de vez em quando, papelada da agência, das editoras, dos tradutores mas postais, postais-postais, népia. E aqueles que andam por aí, sei lá porquê, não me mandam nenhum. Ou mandam-se a si mesmas e acham que chega. E, em certo sentido, chega. Mas umas palavrinhas, num cartão, caíam bem, há alturas em que umas palavrinhas num cartão caem bem. Não sei porquê mas caem bem.

(…)

Daqui a nada, sem que ela dê por isso, começa a cantar. Basta um bocadinho de atenção para a ouvir cantar. E, ao cantar, começo a escutar as ondas. Uma após outra. Para mim. Atrás destas janelas e destas árvores há-de haver uma praia. Reparem."

27 janeiro 2012




Nestes dias a cura é esta. A arrumação, o limpar do pó às ideias. Desfazer os nós que foram apertados com toda a força do mundo.

É disto que a minha alma se faz. E é assim que a refaço quando se desfaz. Ou quando ma desfazem. Ou quando nem sei dela.

23 janeiro 2012

Das grades.

Dizemos sempre que esta vez é a última. Que, depois desta, não há mais. Que é só mais uma. Só para ter a certeza, só para que não restem dúvidas. Só mesmo para tentar. Só mesmo para ganhar coragem, ou “embalagem”, para o que se segue no “depois disto”.

Uma treta. Só mesmo porque não conseguimos liberdade. Porque o “e se”, o “mas”, o “talvez”, o “que se lixe” não são palavras; são ordens cá dentro, que nos comandam, que mandam em nós mais do que nós. E, então, pois que será “só mais uma vez” não sei quantas vezes. Na hesitação de saber que está mal, que estamos a caminhar no vazio, com a cabeça a querer parar-nos, mas quem é a cabeça quando o coração se mete ao barulho? Chamo-lhe coração mas posso chamar-lhe, em boa verdade, fraqueza ou medo. Perde-se a conta às “últimas vezes”. Ao “depois desta, muda tudo”. Ao “nunca mais faço isto”. Ao “agora, chega”. Ao “a partir de hoje vai ser muito diferente”.

Quando, na verdade, fica sempre tudo na mesma.

20 janeiro 2012

Mistura.

Estou a deitar por fora. A taça está a transbordar do que é mau diluído no que é bom. Ou vice-versa, não sei bem. Momento após momento a mistura dá mais uma volta e deixo de perceber a ordem das coisas constantemente. Afundo-me. Fico sem pé. Falta-me o ar. Mas respiro fundo. Venho à tona de novo. Tenho calor, tenho frio, tenho calor outra vez. A respiração acelera, o sangue corre, a cabeça numa lufa-lufa e o coração a guardar mais do que lhe cabe lá dentro.

12 janeiro 2012

Dos deslizes aqui da moça.

Já escorreguei vezes sem conta. Não aprendo. Nada. Pôr o pé em ramo verde é um hábito meu. Melhor: está-me no sangue. Não é que goste disso por aí além, porque, por muitas coisas boas que me mostre a longo prazo, a curto prazo esta minha patinagem ‘desartística’ dói-me como tudo. Mas, vá-se lá perceber, não desisto. Teimosa que nem uma burra, sim. E burra, também - vai-se a ver e é isso mesmo.

04 janeiro 2012

Hopes and fears.

Quando a saudade vem sem se perceber porquê. Aparece lá num cantinho, a espreitar, indecisa, curiosa, com a timidez de uma criança. Depois, perde a vergonha e decide mostrar-se, toda ela crescida, decidida, determinada. E, para surpresa, faz doer. Mas é aquele doer bom...

A esperança brilha lá ao fundo, com um labirinto entre mim e ela. Talvez, depois das pedras no caminho, dos recuos, das hesitações, das quedas, das dores, das curvas mal dadas e das voltas confusas, haja mesmo uma luz à chegada da viagem que ilumine o resto da estrada.

02 janeiro 2012

Janeiro.

Janeiro veio, e trouxe com ele a certeza do incerto. A precisão do caminho escuro, desvendado a custo e a cada passo entre paredes demasiado apertadas.

Janeiro veio, e vim eu com ele, grande demais para caber em tão pouco espaço. No bolso trago pedras de que não me sei desfazer, mais pesadas que o mundo e que me prendem a este chão que só queria deitar fora.

Janeiro veio, e veio sem nada. Vazio. Vazio como os Janeiros têm sido. Num vazio teimoso e pegajoso que se prolonga sem dó por todo o calendário. Viram-se as folhas, riscam-se os dias, morrem-se os anos, mas o fio condutor que os vai ligando é este mesmo - feito de vazio, de incerto, de cansaço, e de uma esperança sagaz e teimosa que por vezes é soterrada pelo peso dos dias que não passam. A não ser no calendário.