31 janeiro 2012

Conclusão.

Até eu, que sou de tudo menos de certezas, consigo sentir, nesta altura, que isto faz sentido. Continuo a perder-me nos porquês – custa-me demasiado este exercício de perceber aquilo que é, desde a génese, feito para causar dúvidas. Mas, fora essas, sim, há uma certeza. Só falta um passo, que não compete aos meus pés. (E a dúvida reside aí.) Depois dele, o jogo fica finalmente aberto, e posso pôr a minha certeza à prova. Nunca vai deixar de ser certa, apesar de tudo; mas, quando se cruzar com a realidade, frente-a-frente, logo se há-de perceber qual das duas leva a melhor.


Mas lá que faz sentido... Isso faz. De certeza.

Só falta o passo.
"Os cemitérios são lugares vazios, só árvores, sem defuntos, só a gente, que arranjamos as campas, sem entendermos que não existe ninguém lá em baixo. Para quê visitar ausências? Uns pardais nos choupos, nada. Que sítios tranquilos, os cemitérios, que inútil a palavra defunto.

(…)

Postais. Há quanto tempo não recebo postais. Uma carta de vez em quando, papelada da agência, das editoras, dos tradutores mas postais, postais-postais, népia. E aqueles que andam por aí, sei lá porquê, não me mandam nenhum. Ou mandam-se a si mesmas e acham que chega. E, em certo sentido, chega. Mas umas palavrinhas, num cartão, caíam bem, há alturas em que umas palavrinhas num cartão caem bem. Não sei porquê mas caem bem.

(…)

Daqui a nada, sem que ela dê por isso, começa a cantar. Basta um bocadinho de atenção para a ouvir cantar. E, ao cantar, começo a escutar as ondas. Uma após outra. Para mim. Atrás destas janelas e destas árvores há-de haver uma praia. Reparem."

27 janeiro 2012




Nestes dias a cura é esta. A arrumação, o limpar do pó às ideias. Desfazer os nós que foram apertados com toda a força do mundo.

É disto que a minha alma se faz. E é assim que a refaço quando se desfaz. Ou quando ma desfazem. Ou quando nem sei dela.

23 janeiro 2012

Das grades.

Dizemos sempre que esta vez é a última. Que, depois desta, não há mais. Que é só mais uma. Só para ter a certeza, só para que não restem dúvidas. Só mesmo para tentar. Só mesmo para ganhar coragem, ou “embalagem”, para o que se segue no “depois disto”.

Uma treta. Só mesmo porque não conseguimos liberdade. Porque o “e se”, o “mas”, o “talvez”, o “que se lixe” não são palavras; são ordens cá dentro, que nos comandam, que mandam em nós mais do que nós. E, então, pois que será “só mais uma vez” não sei quantas vezes. Na hesitação de saber que está mal, que estamos a caminhar no vazio, com a cabeça a querer parar-nos, mas quem é a cabeça quando o coração se mete ao barulho? Chamo-lhe coração mas posso chamar-lhe, em boa verdade, fraqueza ou medo. Perde-se a conta às “últimas vezes”. Ao “depois desta, muda tudo”. Ao “nunca mais faço isto”. Ao “agora, chega”. Ao “a partir de hoje vai ser muito diferente”.

Quando, na verdade, fica sempre tudo na mesma.

20 janeiro 2012

Mistura.

Estou a deitar por fora. A taça está a transbordar do que é mau diluído no que é bom. Ou vice-versa, não sei bem. Momento após momento a mistura dá mais uma volta e deixo de perceber a ordem das coisas constantemente. Afundo-me. Fico sem pé. Falta-me o ar. Mas respiro fundo. Venho à tona de novo. Tenho calor, tenho frio, tenho calor outra vez. A respiração acelera, o sangue corre, a cabeça numa lufa-lufa e o coração a guardar mais do que lhe cabe lá dentro.

12 janeiro 2012

Dos deslizes aqui da moça.

Já escorreguei vezes sem conta. Não aprendo. Nada. Pôr o pé em ramo verde é um hábito meu. Melhor: está-me no sangue. Não é que goste disso por aí além, porque, por muitas coisas boas que me mostre a longo prazo, a curto prazo esta minha patinagem ‘desartística’ dói-me como tudo. Mas, vá-se lá perceber, não desisto. Teimosa que nem uma burra, sim. E burra, também - vai-se a ver e é isso mesmo.

04 janeiro 2012

Hopes and fears.

Quando a saudade vem sem se perceber porquê. Aparece lá num cantinho, a espreitar, indecisa, curiosa, com a timidez de uma criança. Depois, perde a vergonha e decide mostrar-se, toda ela crescida, decidida, determinada. E, para surpresa, faz doer. Mas é aquele doer bom...

A esperança brilha lá ao fundo, com um labirinto entre mim e ela. Talvez, depois das pedras no caminho, dos recuos, das hesitações, das quedas, das dores, das curvas mal dadas e das voltas confusas, haja mesmo uma luz à chegada da viagem que ilumine o resto da estrada.

02 janeiro 2012

Janeiro.

Janeiro veio, e trouxe com ele a certeza do incerto. A precisão do caminho escuro, desvendado a custo e a cada passo entre paredes demasiado apertadas.

Janeiro veio, e vim eu com ele, grande demais para caber em tão pouco espaço. No bolso trago pedras de que não me sei desfazer, mais pesadas que o mundo e que me prendem a este chão que só queria deitar fora.

Janeiro veio, e veio sem nada. Vazio. Vazio como os Janeiros têm sido. Num vazio teimoso e pegajoso que se prolonga sem dó por todo o calendário. Viram-se as folhas, riscam-se os dias, morrem-se os anos, mas o fio condutor que os vai ligando é este mesmo - feito de vazio, de incerto, de cansaço, e de uma esperança sagaz e teimosa que por vezes é soterrada pelo peso dos dias que não passam. A não ser no calendário.