Todo o “eu” é um grito. Aflito, sufocado, de quem não aguenta mais. De quem não aguenta mesmo mais.
Um grito mudo, surdo nos ouvidos de quem devia dar por ele. Tão surdo! Tão sem som! Estou a gritar tanto, tanto, no desespero mais profundo, saído do lado mais escuro de mim, uma coisa que eu nunca vi, nem nunca ouvi, e agora está alto e a bom som na minha cabeça, no meu corpo, à minha volta, como se eu estivesse numa cápsula feita desse grito, está na aflição, na mão invisível que agarra o pescoço, nos olhos que deitam rios, no desespero mais pleno… Um grito, um grito, um GRITO!
… E não me ouvem.
Quero correr até as pernas ficarem moles e não me deixarem continuar nem por mais um passo. Quero correr, fugir, vento na alma, vento cá dentro. Quero desfazer-me em pó nesse vento, e quero que depois ele me espalhe por aí para que não me encontrem. Que ninguém saiba mais de mim. A seu tempo tratarei de me juntar, da poeira aos pedaços e depois ao eu inteiro, mas longe, tão longe que já nada doa, que já nada massacre, que já nada lembre.
Dói-me o passado, dói-me o presente, dói-me tanto o futuro. Dói-me o físico, o não-físico, as sensações, os desgostos. Até me doem coisas que nem sei o que são. Dói-me o desespero e o grito que cada vez é mais alto e que ao mesmo tempo é tão desesperadamente mudo aos ouvidos de quem mo cria, como se caísse no vácuo. Num buraco negro que suga tudo.
A mim já me sugou a energia. Toda. Toda, toda, toda. A que tinha e a que nunca tive. Não aguento mais.