04 novembro 2010

Chapada.

Há pessoas que têm o “dom” (chamemos-lhe assim pela mais pura comodidade de expressão) de nos agarrarem o coração com as duas mãos. E depois fazem dele o que querem: amarrotam-no, apertam-no, sufocam-no. Estilhaçam-no. Arrancam-no. E nem se dão conta, e por isso nem lhes custa nada. Não custa fazer sofrer, matar esperanças, tratar mal. E quem é dono do coração agarrado e maltratado vê todo o desfile de coisas erradas a passar-lhe à frente dos olhos, mas no fundo parece que isso nem importa. Deixa-se acontecer. Não se contraria, não se evita, não se pára, não se luta! Como se tivesse de ser assim. Como se nem fizesse mal. Como se doer fosse inevitável e fizesse parte de qualquer coisa maior e melhor. Não faz parte de nada, na realidade. Mas quem, ainda que sem querer, nos agarra friamente o coração, também nos fecha os olhos. E é como se não quiséssemos nem soubéssemos abri-los.

Sentimos a nossa alma nas mãos de outra pessoa. E, aí, nós já não somos nós; somos a nossa vida através do que alguém nos faz. Tudo em nós filtrado por outra pessoa. Somos puras marionetas de alguém que nem sabe que nos tem nas mãos. E chocalha. E atira. E rasga.

Mas há um dia em que se diz basta. Em que se diz para mim chega. Em que se diz não quero mais isto. Em que se diz tive bem mais que a minha conta. Em que se diz quero controlo sobre mim. Em que se diz a alma e o coração são meus e tenho de voltar a mandar neles.

Em que se diz chega de sofrer desta maneira.

Levei uma chapada. Foi tão grande que acordei. Ou estou a acordar, pelo menos. Às vezes é assim. Só se acorda à lei do choque. Mesmo que, bem vistas as coisas, nada seja o que parece, antes disso há um momento em que, não sendo, se julga que é, e aí a violência é tal que, mesmo vindo a saber mais tarde que tudo não passou de um mal-entendido, os olhos se abrem.

Porque para mim chega.

1 comentário:

  1. ainda me falta tudo isso. ainda não há desprendimento. ainda não consigo.

    E queria tanto conseguir.

    *

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